O seguro RC Médico cobre danos causados pelo “kit covid”?

O seguro RC Médico cobre danos causados pelo “kit covid”?

Antes de iniciar, informamos que esse texto não irá se posicionar sobre eficácia, utilidade ou cabimento do chamado tratamento precoce para COVID-19. Nosso único intuito é contextualizar a sua prescrição sob o enfoque do seguro de responsabilidade civil e como ele pode impactar na atividade do médico.

Se chegou até aqui e está de acordo, vamos lá…

As rivalidades alimentam o imaginário popular e criam discussões acaloradas. É PT x anti-PT, é Bolsonaro x anti-Bolsnaro, amantes de BBB x haters de BBB, e por ai vai.

O novo Fla x Flu no Brasil é a enorme discussão sobre a necessidade de adoção do chamado tratamento precoce para COVID. Toda a controvérsia está pautada entre as pessoas que defendem e as que não concordam com o chamado “kit covid”.

O “kit covid” nada mais é do que uma relação de medicamentos indicados para outras enfermidades que estão sendo prescritos para combater a COVID-19,sob o pretexto de que auxiliam na cura da doença.

Seria o “kit covid” uma forma de prescrição experimental dos medicamentos?

O primeiro ponto de atenção é quanto ao enquadramento da prescrição dos medicamentos ministrados no tratamento precoce.

Todas as seguradoras que oferecem o seguro de responsabilidade civil para médicos EXCLUEM a cobertura por danos causados pela prescrição de medicamentos de caráter experimental.

Apesar de haver muitas pesquisas pelo mundo sobre medicamentos específicos para combater o COVID-19, sabemos que ainda não há nenhum medicamento aprovado para este fim específico.

Quando há a prescrição do tratamento precoce ou “kit covid”, é comum as receitas indicarem o uso de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. Essas drogas estão no mercado há anos e foram estudadas e aprovadas para combater outras doenças. Não há estudos científicos que assegurem a eficácia delas contra a COVID-19.

Não necessariamente isso implica em dizer que seria um uso experimental dos medicamentos.

O que diferencia o uso experimental para o uso off-label (uso do medicamento para tratar enfermidades não previstas na sua bula) é a intenção do profissional de saúde ao prescrever o medicamento. Se a prescrição é para obter um conhecimento geral sobre a eficácia desses medicamentos, estamos diante de um uso experimental do medicamento. Já se a prescrição visa trazer um benefício direto ao paciente que está sendo atendido, estamos falando de prescrição off-label.

A prescrição de medicamentos off-label é uma prática comum na área médica e o médico não possui impedimento de fazê-la desde que vise um efetivo benefício para o paciente, ou seja, não poderá prescrever atos inúteis ou desnecessários ao tratamento do paciente.

No caso do “kit covid”, entende-se que este se enquadra na definição de uso off-label dos medicamentos. Isso se explica porque esses medicamentos já são aprovados pela ANVISA para outras enfermidades e os médicos, em regra, prescrevem esses medicamentos para situações fáticas reais de atendimento dos pacientes sintomáticos da COVID-19.

Qual a responsabilidade do médico ao prescrever o “kit covid”?

Ao receitar medicamentos para uso off-label, o médico assume algumas responsabilidades.

A primeira é em relação ao dever de informar claramente ao paciente que o remédio não é voltado para tratar o COVID-19, mas há entendimentos de uma vertente médica que acredita que eles possam ajudar no não desenvolvimento da doença para casos mais graves.

É importante que o médico demonstre de forma bem clara ao paciente essa situação, conste no prontuário todas essas informações que justifiquem a prescrição dos medicamentos e obtenha junto ao paciente o termo de consentimento para iniciar o tratamento.

O paciente deve ser livre para adotar ou não o tratamento proposto pelo médico.

Mesmo com a aceitação do tratamento pelo paciente, não se afasta a responsabilidade do médico por eventuais danos que venha causar ao paciente.

O médico continua responsável pela dosagem, efeitos adversos e desdobramentos que possam vir a ser causados pelos medicamentos ao paciente.

A prescrição do medicamento off-label é uma prerrogativa do médico (Código de Ética Médica, Capítulo I, VII), mas exige muita cautela.

Com isso, qualquer complicação que o paciente venha a ter em razão dos medicamentos prescritos recairá responsabilidade sobre o médico.

A situação de vulnerabilidade técnica do paciente perante o médico, ainda que com consentimento do paciente, não afasta a responsabilidade do médico, caracterizando o erro médico.

Como fica a cobertura do seguro de RC nesse caso?

Como visto anteriormente, a prescrição do “kit covid” não se enquadra no conceito de utilização de medicamentos em caráter experimental, sendo a aplicação dos mesmos de forma off-label.

Não obstante, não há qualquer determinação expressa de autoridades médicas que proíbam a utilização desses medicamentos para esses fins. Há somente, até a data de publicação desse artigo, recomendações para sua não utilização ante a não comprovação da eficácia dos medicamentos para o combate à COVID-19.

Assim, não há uma exclusão clara e evidente de cobertura dos seguros de responsabilidade civil por eventuais danos causados aos pacientes pela prescrição do “kit covid”.

Isso se deve pelos seguintes pontos:

Os medicamentos são aprovados pela ANVISA e não estão em fase experimental;

Não há proibição da utilização dos medicamentos para os fins pretendidos;

O tratamento com medicamentos off-label não é proibido pela legislação e é amplamente aceito pelo Poder Judiciário.

Diante disso, eventuais danos reclamados pelos pacientes pela prescrição de medicamentos off-label para o tratamento de COVID-19 não acarretariam em uma exclusão da cobertura no seguro de responsabilidade civil do médico desde que tomadas todas as precauções no momento da prescrição, quais sejam:

Informar claramente o paciente sobre o uso dos medicamentos e que se trata de utilização off-label;

Constar no prontuário médico todas as informações necessárias que embasam a prescrição específica dos medicamentos, e;

Permitir ao paciente que escolha livremente se quer adotar o tratamento. Em caso positivo, obter um termo de consentimento antes de iniciar o tratamento.

Tomando essas precauções, o profissional mantém as coberturas para pagamentos de indenizações, honorários advocatícios, honorários de perícia, custas e despesas processuais, gerenciamento de crise, dentre outras que devem ser analisadas junto ao corretor no momento de contratação da apólice.

Em caso de dúvida sobre seu seguro de responsabilidade civil, entre em contato conosco que realizamos uma consultoria sobre suas coberturas.

Deixe uma resposta